por Robinson Cavalcanti
Nesse início da Quaresma – período importante do Ano Cristão
– somos chamados à atenção para os momentos dramáticos que antecedem o
ministério messiânico de Jesus: os quarenta dias no deserto, onde foi tentado
por satanás, para, ao fim, vitorioso, ser ministrado pelos anjos.
A vida peregrina das pessoas é alternada de oásis e de
desertos. Jesus não foi para o deserto por conta própria, nem foi algo ao sabor
das circunstâncias, mas para ali foi levado pelo próprio Espírito Santo.
Necessitamos de oásis para não perecer. Necessitamos de desertos para
amadurecer. Em ambos podemos receber recados de Deus.
No deserto estava a representação das hostes espirituais da
maldade, na pessoa de satanás como tentador, e das hostes espirituais da
bondade, nas pessoas dos anjos que o serviram, alimentando-o e dessedentando-o.
Anjos e demônios estão presentes nos textos das Sagradas Escrituras do Gênesis
ao Apocalipse. Mas que dizer deles na vida da sociedade, da Igreja e das
pessoas?
Sabemos que os demônios tentam, induzem, possuem, assessoram
as instituições e as atitudes de iniquidade, sem eliminar a responsabilidade e
a culpa de decisões morais humanas. Sabemos que anjos são mensageiros,
guardiões e ministradores da parte de Deus para o seu povo. Sua realidade,
muito clara no Judaísmo, no Cristianismo e no Islã, também pode ser encontrada
em outras tradições religiosas não-abraâmicas.
O racionalismo pós-iluminista secularista ocidental moderno
e contemporâneo tem negado tal realidade, como superstição ou mitologia. Um pensador
afirmou que essa foi a jogada mais brilhante de satanás: convencer o mundo de
que ele não existe, para poder atuar livremente em seu ministério de
desumanização e opressão. O Positivismo e o Marxismo foram instrumentos
ideológicos da promoção dessa negação dos seres angélicos caídos e não caídos.
E a Igreja?
A Igreja tem se dividido entre os liberais que adotaram o
cetismo – negação do pensamento secular, pentecostais e neo(pseudo)pentecostais
que, em alguns casos, têm ido da supervalorização do poder satânico e a redução
do poder da cruz, com seus “encostos” e “sessões de descarrego”, vendo demônios
por toda a parte, fugindo da culpa pessoal quanto ao mal, aos assentos de
templos reservados para os anjos bons, em uma espécie de “rotinização angélica”.
Mas, e as Igrejas históricas?
As Igrejas Históricas, no geral, confessam nos seus livros a
existência de anjos e demônios, mas vivem a prática do cotidiano como se ambos
não existissem, ou fossem aposentados. Ou seja, a prática e a pastoral são a
negação do que se afirma ensinar como verdade.
Certa vez um jovem pastor africano, educado em Seminário
Teológico liberal na França, quando de regresso ao seu país, foi chamado a
exorcizar uma parenta que estava (literalmente) “com o diabo no couro”. Em
pânico, disse para o demônio: “eu não posso lhe expulsar, porque aprendi que
você não existe…”.
Como anglicano, integro um ramo histórico da Igreja. Entre
nós é escassa a presença de exageros afirmativos quanto a anjos e demônios,
mas, em algumas Províncias e Dioceses, não é escassa a presença dos
céticos-racionalistas. Tenho preocupação, quanto à nossa Diocese e as coirmãs
históricas ao nosso redor pela quase total ausência de referência aos
ministérios angélicos e satânicos em sermões ou reflexões teológicas.
Quando o Dr. Billy Graham, na década de 1970, escreveu o seu
livro sobre os anjos, fazia meio século que ninguém tinha tratado do tema nos
Estados Unidos, onde, nos dias de hoje, se falar em anjos e demônios é tido
como algo exótico ou uma gafe.
Vejo o tempo da Quaresma – da Quarta-Feira de Cinzas ao
Domingo da Ressurreição – como um período de aprofundamento da fé, pela oração,
o jejum e a caridade, como nos tem ensinado a tradição da Igreja.
Olhando para o episódio de Jesus no deserto e para os
desertos existenciais, espirituais e teológicos, gostaria de fazer um
chamamento a todos para uma renovada consciência do angélico e do satânico na
nossa vida e missão.
Os anjos podem acampar ao redor de nós. E satanás
(creiam-me) está “solto na buraqueira”.
É bom abrir os olhos, e, pelos olhos da fé, enxergar além do
material.
Que o Senhor nos abençoe!