[Republicação - Mais uma carta fictícia. Não existe o Reverendo Van Diesel, pelo menos não com este nome...]
Prezado Reverendo Van Diesel,
Obrigado por ter respondido minha carta. Você foi muito
gentil em responder minhas perguntas e explicar os motivos pelos quais você
costuma ungir com óleo os membros de sua igreja e os visitantes durante os
cultos, além de ungir os objetos usados nos cultos.
Eu não queria incomodá-lo com isto, mas o Severino, membro
da minha igreja que participou dos seus cultos por três domingos seguidos,
voltou meio perturbado com o que viu na sua igreja e me pediu respostas. Foi
por isto que lhe mandei a primeira carta. Agradeço a delicadeza de ter
respondido e dado as explicações para sua prática.
Sem querer abusar de sua gentileza e paciência, mas contando
com o fato de que somos pastores da mesma denominação, permita-me comentar os
argumentos que você citou como justificativa para a unção com óleo nos cultos.
Você escreveu, "A unção com óleo era uma prática
ordenada por Deus no Antigo Testamento para a consagração de sacerdotes e dos
reis, como foi o caso com Arão e seus filhos (Ex 28:41) e Davi (1Sam 16:13).
Portanto, isto dá base para se ungir pessoas no culto para consagrá-las a
Deus." Meu caro Van Diesel, nós aprendemos melhor do que isto no seminário
presbiteriano. Você sabe muito bem que os rituais do Antigo Testamento eram
simbólicos e típicos e que foram abolidos em Cristo. Além do mais, o método
usado para consagrar pessoas a Deus no Novo Testamento para a realização de uma
tarefa é a imposição de mãos. Os apóstolos não ungiram os diáconos quando estes
foram nomeados e instalados, mas lhes impuseram as mãos (Atos 6.6). Pastores
também eram consagrados pela imposição de mãos e não pela unção com óleo (1Tim
4.14). Não há um único exemplo de pessoas sendo consagradas ou ordenadas para
os ofícios da Igreja cristã mediante unção com óleo. A imposição de mãos para
os ofícios cristãos substituiu a unção com óleo para consagrar sacerdotes e
reis.
Você disse que "Deus mandou Moisés ungir com óleo santo
os objetos do templo, como a arca e demais utensílios (Ex 40.10). Da mesma
forma hoje podemos ungir as coisas do templo cristão, como púlpito,
instrumentos musicais e aparelhos de som para dedicá-los ao serviço de Deus. Eu
e o Reverendo Mazola, meu co-pastor, fazemos isto todos os domingos antes do
culto." Acho que aqui é a mesma coisa que eu disse no parágrafo anterior.
A unção com óleo sagrado dos utensílios do templo fazia parte das leis
cerimoniais próprias do Antigo Testamento. De acordo com a carta aos Hebreus,
estes utensílios, bem como o santuário onde eles estavam, “não passam de
ordenanças da carne, baseadas somente em comidas, e bebidas, e diversas
abluções, impostas até ao tempo oportuno de reforma” (Hb 9.10). Além disto, o
templo de Salomão já passou como tipo e figura da Igreja e dos crentes, onde
agora habita o Espírito de Deus (1Co 3.16; 6.19). Não há um único exemplo, uma
ordem ou orientação no Novo Testamento para que se pratique a unção de objetos
para abençoá-los. Na verdade, isto é misticismo pagão, puro fetichismo, pensar
que objetos absorvem bênção ou maldição.
Você também argumentou que “Jesus mandou os apóstolos ungir
os doentes quando os mandou pregar o Evangelho. Eles ungiram os doentes e estes
ficaram curados (Mc 6.13).” Nisto você está correto. Mas note o seguinte: (1)
foi aos Doze que Jesus deu esta ordem; (2) eles ungiram somente os doentes; (3)
e quando ungiam, os enfermos eram curados. Se você, Van Diesel, e seu auxiliar
Mazola, curam a todos os doentes que vocês ungem nos cultos, calo-me para
sempre. Mas o que ocorre? Vocês ungem todo mundo que aparece na igreja,
crianças, jovens, adultos e velhos... Você fica de um lado e o Mazola do outro,
e as pessoas passam no meio e são untadas com óleo na testa, gente sadia e com
saúde. Se há enfermos no meio, eles não parecem ficar curados. Pelo menos o
membro da minha igreja que esteve ai por três domingos seguidos não viu nenhum
caso de cura. Ele me disse que você e o Mazola ungem o povo para prosperidade,
bênção, proteção, libertação, etc. É bem diferente do que os apóstolos fizeram,
não é mesmo?
Quando eu questionei a unção das partes íntimas que você faz
numa reunião especial durante a semana, você replicou que “a unção com óleo
sagrado e abençoado é um meio de bênção para as pessoas com problemas de
esterilidade e se aplicado nas partes íntimas, torna as pessoas férteis. Já vi
vários casos destes aqui na minha igreja.” Sinceramente, Van Diesel, me dê ao
menos uma prova pequena de que esta prática tem qualquer fundamento bíblico!
Lamento dizer isto, mas dá a impressão que você perdeu o bom senso! Eu me
pergunto por que seu presbitério ainda não tomou providências quanto a estas
práticas suas. Deve ser porque o presidente, Reverendo Peroba, seu amigo, faz
as mesmas coisas.
Seu último argumento foi que “Tiago mandou que os doentes
fossem ungidos com óleo em nome de Jesus (Tg 5.14).” Pois é, eu não teria
problemas se os pastores fizessem exatamente o que Tiago está dizendo. Note
nesta passagem os seguintes pontos.
A iniciativa é do doente: “Está alguém entre vós doente?
Chame os presbíteros da igreja, e estes façam oração sobre ele, ungindo-o com
óleo, em nome do Senhor."
Ele chama “os presbíteros da igreja” e não somente o pastor.
O evento se dá na casa do doente e não na igreja.
E o foco da passagem de Tiago, é a oração da fé. É ela que
levanta o doente, “E a oração da fé salvará o enfermo, e o Senhor o levantará;
e, se houver cometido pecados, ser-lhe-ão perdoados” (Tg 5.15).
Ou seja, não tem como usar esta passagem para justificar o
“culto da unção com óleo santo” que você faz todas as quintas-feiras e onde
unge quem aparece. Não há confissão de pecados, não há quebrantamento, nada do
que Tiago associa com esta cerimônia na casa do doente.
Quer saber, Van Diesel, eu até que não teria muitos
problemas se os presbíteros fossem até a casa de um crente doente, que os
convidou, e lá orassem por ele, ungindo com óleo, como figura da ação do
Espírito Santo. Se tudo isto fosse feito também com um exame espiritual da vida
do doente (pois às vezes Deus usa a doença para nos disciplinar), ficaria de
bom tamanho. E se houvesse confissão, quebrantamento, mudança de vida, eu diria
amém!
Mas até sobre esta unção familiar eu tenho dúvida, diante do
uso errado que tem sido feito da unção com óleo hoje. De um lado, há a extrema
unção da Igreja Católica, tida como sacramento e meio de absolvição para os que
estão gravemente enfermos e se preparam para a morte. Por outro, há os abusos
feitos por pastores evangélicos, como você. O crente doente que convida os
presbíteros para orarem em sua casa e ungi-lo com óleo o faz por qual motivo?
Ungir com óleo era comum na cultura judaica e oriental antiga. Mas entre
nós...? Será que este crente pensa que a unção com óleo tem poderes
miraculosos? Será que ele pensa que a oração dos presbíteros tem um poder
especial para curar? Se ele passa a semana assistindo os programas das seitas
neopentecostais certamente terá idéias erradas sobre unção com óleo. Numa
situação destas de grande confusão, e diante do fato que a unção com óleo para
enfermos é secundária diante da oração e confissão de pecados, eu recomendaria
grande prudência e discernimento.
Mas, encerro por aqui. Mais uma vez, obrigado por ter
respondido à minha primeira carta e peço sua paciência para comigo, na hora de
ler meus contra-argumentos.
Um grande abraço,
PS: Ah, o Reverendo Oliveira e o Presbítero Gallo, seus
conhecidos, estão aqui mandando lembranças. Eles discordaram veementemente
desta minha carta, mas fazer o quê...?
PS2: Desculpe ter publicado a foto que o Severino acabou
tirando daquele seu armário no gabinete pastoral... ele não resistiu.